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colecionando histórias

Nesse cantinho do site, nós mostramos o quanto poode ser
gratificante todo o corre que a gente faz


O Rosto que Voltou a se Ver

Renata se maquiando

Renata não se maquiava há quase dez anos.

“Pra quê? Pra olhar pra onde?”, ela dizia, rindo baixo e amargo. Costumava se ver apenas de relance, nos vidros dos ônibus ou nos espelhos rachados do galpão. Nunca por muito tempo. Nunca com atenção.

Naquele sábado, entrou na sala improvisada do Dia da Beleza meio desconfiada. Queria só um corte nas pontas, talvez. Mas acabou sentando na cadeira preta de encosto largo, fechando os olhos sem saber ao certo o que ia acontecer.

As mãos da maquiadora eram leves, como quem desenha no escuro. E, aos poucos, Renata foi voltando pra dentro de si. Sentiu a textura da base, o pincel no canto dos olhos, o batom macio — quase um beijo.

“Você gosta de sombra quente ou fria?”, perguntaram. Ela não soube responder. Nunca pensou nisso. Escolher cor pra si mesma parecia coisa distante.

Quando abriu os olhos e viu o reflexo, não reconheceu de imediato. Teve que olhar de novo. E de novo. Até entender que era ela ali. E que estava linda.

“É só maquiagem”, alguém comentou. Mas não era. Era mais. Era um convite pra se enxergar com mais gentileza. Um lembrete de que ainda havia espelho, e desejo, e brilho.

Naquele dia, Renata saiu com os olhos delineados — e com uma sensação nova no peito. A de que talvez fosse possível se gostar de novo.


Dalva e a Borboleta Roxa

Renata se maquiando

Dalva coleciona pequenas alegrias. Guardadas, quase sempre, em caixas recicladas. Borboletas de papel, corações de tecido, frases de revista coladas no espelho. “É pra eu não esquecer que a vida pode ser bonita também”, ela conta.

Na cooperativa onde trabalha como catadora há mais de 10 anos, Dalva ganhou uma homenagem inesperada no último “Dia da Beleza”: um vaso com uma borboleta roxa e um brigadeiro com granulado de estrela. Quando perguntaram o que ela achava da ação, respondeu sorrindo: “Parece que minha alma também fez aniversário.”

Dalva vive dizendo que beleza tem mais a ver com cuidado do que com aparência. E que o afeto, quando bem cuidado, nasce até em chão de galpão.

Naquela manhã, ela carregava um crachá no peito, uma borboleta na mão e um brilho no olhar que nem os refletores da cidade grande conseguiriam reproduzir.

Disse que ia guardar o vasinho num canto especial do quarto. “Lá onde eu coloco as lembranças que me lembram quem eu sou.”


Receita de Afeto

Renata se maquiando

A cozinha comunitária não tinha muitos ingredientes naquele dia. Mas tinha risada. E risada boa, aquela que fermenta o ânimo. Tinha também cheiro de cravo e canela e uma caixa de aveia prestes a vencer — que virou biscoito nas mãos das mulheres da cooperativa.

A receita era simples: três mãos de farinha, duas de açúcar, uma de carinho e uma pitada de esperança. As embalagens foram improvisadas, mas cada pacotinho saía com uma frase carinhosa escrita à caneta: “Seja doce com você hoje”.

Na hora da foto, ninguém segurou o riso. E cada biscoito virou uma espécie de presente sagrado — pequeno, sim, mas carregado de significado.

Diz-se que arte e comida têm algo em comum: ambas são feitas para desaparecer. Mas, ali, naqueles minutos de forno e afeto, algo ficou. Algo da ordem da memória. Da coragem de partilhar.

E talvez, só talvez, aquele biscoito tenha mudado o dia de alguém mais do que um poema inteiro.


Quando o Silêncio é um Abraço

Renata se maquiando

Nem toda arte precisa ser vista. Algumas só podem ser sentidas.

No final de uma das ações da Frente Marmita-Livro, depois da entrega das refeições, dos livros e dos sorrisos, um abraço tomou o centro da cena. Não havia fala, discurso ou moldura. Apenas um gesto longo, firme, silencioso.

O rapaz de boné havia acabado de chegar. Não falava muito. Mas ao receber a marmita e o livro, segurou as lágrimas. Disse que aquele era o primeiro abraço em semanas.

Quem o acolheu foi Moisés, artista e voluntário, que costuma dizer que o corpo também escreve poesia. “Um abraço também pode ser verso”, ele explica.

Dona Cida, que assistia de longe, sorriu e comentou baixinho: “Olha... isso aí vale mais que quadro em museu.”

E, de fato, talvez o momento mais artístico do dia não tenha sido pintado com tinta nem moldado com barro. Foi feito de pele, presença e silêncio.

Um gesto que, naquele instante, valia por todos os poemas do mundo.


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